sábado, 17 de fevereiro de 2018
Conto: Um clichê irresistível - Agatha Karolina de Alencar Medeiros
fevereiro 17, 2018
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Era
uma sexta-feira, já havia passado das onze da noite, precisei ficar
até mais tarde no restaurante, organizando tudo para o evento que
aconteceria daqui
duas semanas. Estava irritada, chateada e triste; as coisas não
estavam saindo como o planejado, e ainda precisava
aguentar as
insinuações constantes
da ex-namorada do meu marido.
Desci
do carro e entrei em casa. Parei em frente ao espelho que havia no
hall de entrada; as olheiras já faziam parte do meu rosto, meus
cabelos castanhos estavam amarrados de forma bagunçada em um coque,
meus
olhos, da mesma cor, aparentavam bastante cansaço e irritabilidade,
o
dia parecia não ter fim.
Joguei
a chave do carro e as pastas, que estavam nos meus braços, de
qualquer jeito sobre o sofá negro de couro, que ficava na sala.
Normalmente eu era uma pessoa calma e organizada, mas os
acontecimentos daquele dia haviam me tirado do sério. Subi as
escadas e abri a porta do quarto abruptamente, encontrando meu marido
sentado na cama, com o cabelo molhado, sem camisa, concentrado
enquanto jogava videogame.
Seus olhos castanhos e serenos se voltaram para mim depois de um
tempo, ele era uma das pessoas mais inteligentes e introvertidas que
já havia conhecido, e
era dotado de uma beleza de tirar o fôlego.
-
Boa noite, amor!
-
Boa só se for para você. – Respondi de forma seca.
Vi
que ele ficou impressionado com a resposta e levantou a
sobrancelha de forma interrogativa. Cautelosamente, ele largou o
controle no chão e se deitou na cama com a cabeça apoiada no braço
direito:
-
Quer me contar o que aconteceu?
-
Sua ex-namorada veio me perguntar se você não teria um tempinho
para ela.
-
Você está sendo sarcástica, isso não é bom. O que você
respondeu?
-
Nada.
-
Nada? Sério isso?
- O
que você queria que eu dissesse? Que você ficaria mais do que feliz
em relembrar os momentos lindos que tiveram juntos no passado? –
Perguntei de forma ácida.
Ele
suspirou e veio em minha direção, depois de se levantar da cama. Me
deu um breve beijo nos lábios, me olhou nos olhos e disse:
-
Seu
ciúme
não tem fundamento.
-
Como não tem fundamento? – Me afastei dele e olhei-o
com raiva. – Aquela mulherzinha
aparece dando uma de "sou importante" e você ainda diz
isso?
- Vá
tomar um banho, você precisa relaxar. – Ele me disse, com um
sorriso de lado, me empurrando para o banheiro.
-
Não espere que essa discussão termine aqui.
-
Ela vai terminar aqui – Ele disse isso com tanta convicção que
não tive como não rir.
- O
que você vai fazer enquanto tomo banho? – Perguntei.
-
Por que a pergunta?
-
Quero doce.
Ele
não disse mais nada, apenas me deixou no banheiro e desceu para a
cozinha. Tomei um banho e vesti meu pijama preto com gatinhos
brancos, era um tanto velho e infantil, sequei meu cabelo e deitei na
cama para ler um livro, no mesmo momento em que ele chegou com uma
bandeja com brigadeiro de colher, maças cortadas em cubos, suco de
maracujá e bolinhos de queijo.
-
Planejando me calar com comida? – Cruzei os braços e o olhei
irritada.
-
Não. Na verdade, vou usar a comida como uma forma de te torturar até
você me contar tudo o que aconteceu hoje no restaurante.
-
Nossa! Que romântico.
-
Você está sendo sarcástica, de novo.
-
Uai! Você vem com essas suas ideias
malucas.
-
Normalmente, você acha minhas ideias malucas fofas.
-
Você já deve ter percebido que esse dia não está normal. –
Falei, um pouco triste.
Deixando
a bandeja
sobre o criado-mudo,
ele tirou o livro das minhas mãos e o colocou em um lugar qualquer,
se deitou ao meu lado e me abraçou.
-
Sabe, eu jamais trocaria o tecnécio pelo ouro – Ele disse, fazendo
carinho em meu braço.
-
Traduz pra mim, não sou boa com química.
-
Mas é boa comigo.
-
Engraçadinho! – Empurrei-o
de leve,
o
que
o fez rir. – Explica logo o que você quis dizer...
-
Sempre impaciente. – Ele disse, me abraçando
e dando um beijo em minha testa. – Eu quis dizer, meu amor, que eu
não vou trocar o que, pra mim, é especial pelo que a sociedade diz
ser o mais valioso.
Olhei
para ele, no fundo dos seus olhos e, se antes da discussão eu já
sabia que aquele drama todo era desnecessário, agora eu tinha
certeza. Ele, com certeza, era o melhor marido que alguém poderia
ter, com todos os seus defeitos e loucuras, ele me fazia feliz. Era
bom tê-lo ao lado.
Provavelmente,
percebendo que eu não estava mais naquele planeta, ele me trouxe de
volta à realidade depositando um beijo doce e longo sobre os meus
lábios. Depois me disse:
-
Sabe, eu me lembro de quando éramos
crianças, adolescentes, na verdade, e estávamos
no ensino médio. Lembro que, antes de começarmos a namorar, e até
mesmo quando já estávamos
namorando, as pessoas te chamavam de boba,
porque você preferia esperar por alguém que fizesse seu coração
bater mais forte, a ponto de doer; alguém em que você pudesse
confiar; alguém que você sabia que não seria apenas um passatempo,
que teria o compromisso de te levar para o altar. Eu sei que eu estou
bem longe de ser o príncipe encantado que vem num cavalo
branco,
mas eu também sei que eu estou bem longe de ser o cavalo. Então, a
única coisa que te peço é que, por favor, não jogue fora o que
temos
por causa de uma louca iludida, que acha que eu vou trocar a mulher
mais estressada e linda do mundo, por uma amante qualquer. Eu te amo
e ninguém pode
mudar isso.
Sim,
eu já estava chorando desde o momento em que ele falou da galera que
me chamava de boba,
aquilo doía um pouco. Mas o mais doloroso era perceber que eu havia
procurado briga por nada, que ele poderia estar me odiando agora,
porque eu sabia que o trabalho dele também não estava fácil. Então
a única coisa que eu fiz foi encostar minha cabeça em seu ombro e
tentar fazer um pedido de desculpas em meio às lágrimas e soluços.
-
Ei,
ei!
Tá tudo bem! Eu sei que você não fez por mal. Você tá agindo
como se fosse a primeira vez que eu estivesse fazendo uma declaração
para você. Eu sei que eu sou muito bom nisso, mas não precisa ficar
tão emocionada.
Tive
que rir daquilo. Era bem a cara dele me fazer rir nos momentos mais
improváveis.
- Eu
sei que você é bom nisso. – Eu disse
rindo.
– É só que a maioria das pessoas fazem declarações em momentos
fofos e românticos, não no meio de uma discussão.
- Eu
gosto de ser diferente. – Ele disse, enxugando as últimas
lágrimas que escorriam pelo meu rosto. – Mas agora, tá na hora da
mocinha comer, não quero meus filhos nascendo fraquinhos.
Eu
devo ter ficado com uma cara de completo choque, já que ele me
lançou um sorriso meio envergonhado.
-
Quando você descobriu? – Perguntei, um pouco chateada.
-
Meia hora antes de você chegar.
-
Era para ser surpresa.
-
Ah, relaxa! Eu fui pego totalmente de surpresa quando achei um teste
de gravidez no meio de suas coisas, você quase me encontra pulando
feito um louco pela casa. Tive que tomar um banho para não sair
correndo pela rua, gritando para os vizinhos que eu vou ser papai. –
Ele disse, rindo e beijando minha barriga.
-
Bobo. – Falei, revirando os olhos.
-
Quando você acha que ele nasce?
-
Ããh, daqui a nove meses? – O respondi com outra pergunta,
enquanto ria de sua pergunta boba.
-
Desculpa, eu viajei.
-
Pra bem longe, pelo jeito. – Brinquei com ele.
- Na
verdade não, princesa. Eu viajei pra bem perto daqui, no brilho dos
teus
olhos
e na curva do teu sorriso.
-
Meu Deus! Eu já disse que eu te amo? Que você é um amorzinho? A
melhor pessoa do planeta Terra?
Ele
riu e me abraçou, me tirando da cama.
- Já
sim, mocinha..Agora que você já sabe que eu já sei do nosso
filhote, você vai comer e depois dormir. Descansar é sua
prioridade, agora.
-
Huuuuuuum...E se eu não quiser? – O provoquei passando os braços
por sobre os seus ombros.